Até parece que o dia 6 de dezembro de 2009 faz parte de um passado longínquo para o torcedor do Coritiba, daqueles só resgatados em livros de história. O período é relativamente curto, mas tão intenso que faz o mesmo torcedor quase se esquecer da queda à segunda divisão e das trágicas cenas de revolta e invasão ao Couto Pereira. Hoje, não há resquícios daquela frustração: a decepção foi substituída por um sentimento de orgulho, e ele se justifica.
Após voltar à elite em 2010, o Coritiba abriu o ano em alta, sagrou-se bicampeão paranaense invicto e obteve um feito de difícil proporção: o novo recorde nacional de vitórias consecutivas – hoje com 23 –, superando as 21 do Palmeiras de 1996. Embalado pela série sem derrotas, o clube segue com objetivos mais amplos, a começar pelo duelo desta quinta-feira exatamente contra o Palmeiras, pela quartas de final da Copa do Brasil.
Um dos personagens desta ascensão, o técnico Marcelo Oliveira é também quem quantifica estes sonhos, sem, no entanto, perder de vista o recente passado. “A nossa linha de raciocínio para o início do ano era clara: ganhar o Paranaense. Já para a Copa do Brasil e Brasileirão tínhamos a ideia de fortalecer o clube a longo prazo”, garante ele ao FIFA.com. “Mas as coisas mudam, vamos criando sonhos. A partir de agora, a Copa do Brasil é o foco maior. Faltam seis jogos para a Libertadores e tudo é possível.”
A ressalva antes de falar nos planos é um exemplo do perfil modesto do treinador, mas também vai ao encontro da conduta do clube desde a traumática queda em 2009. Ao invés da natural caça às bruxas, a diretoria optou pela manutenção de uma base para a sequência na Série B. Mesmo sem atingir seus objetivos, Ney Franco ficou, assim como jogadores importantes como  os atacantes Marcos Aurélio e Leandro Donizete, os zagueiros Jéci e Pereira, o goleiro Edson Bastos, entre outros. Com a ascensão confirmada no ano seguinte, Ney Franco se despediu rumo ao comando das categorias de base da Seleção Brasileira, não antes sem deixar uma última contribuição: a indicação do amigo Marcelo Olveira para substituí-lo.
O conselho foi aceito, mesmo que o novo treinador não apresentasse no currículo passagens consistentes por grandes clubes. “Mas ele conhecia meu trabalho e deu o aval para o Coritiba. Sou muito grato por isso”, explica o atual técnico, que antes havia liderado Atlético-MG em duas ocasiões, CSA, Ipatinga e Paraná Clube. “Substituí-lo era uma responsabilidade importante, porque era um ídolo, mas sempre tive confiança.”
Confiança e segurança para trabalhar. Com um grupo que se conhecia – grande parte havia renovado contrato por três anos –, algumas peças recuperadas – como no caso do atacante Bill – e outras novas que se encaixaram bem, a tal “linha de raciocínio”, com um projeto a longo prazo, foi estabelecida. “A diretoria sempre deixou claro que não havia preocupação com o tempo. É algo pouco comum, mas é o caminho ideal para alcançar os objetivos”, exalta. “Este foi o lado positivo do trauma que o clube sofreu. Houve a reflexão, depois a iniciativa de um grupo de pessoas ligadas ao clubes que pensaram adiante, em recolocar o Coritiba em sua posição natural.”
Colhendo frutos e recordesA reflexão à qual se refere Oliveira foi feita pelo grupo liderado por Vilson Ribeiro de Andrade. De torcedor decepcionado naquele 6 de dezembro de 2009, o ex-CEO de um dos maiores bancos do mundo se tornou vice-presidente do clube e colocou em prática o planejamento que mudou a cara do Coritiba já em 2010. Houve, claro, cortes na folha de pagamento, nos prêmios aos jogadores e nos gastos excessivos com as viagens para a disputa da Série B em Joinville, em Santa Catarina, ainda quando o Couto Pereira estava suspenso.
Por outro lado, as obras de renovação do estádio foram feitas a tempo para a reestreia em casa em setembro. Em termos financeiros, a experiência do novo dirigente também foi fundamental na hora de renegociar dívidas, de aumentar o orçamento anual para esta temporada, de rediscutir valores para transmissão dos jogos e de angariar quase 20 mil novos sócio-torcedores. Estrutura que fez com que “a possibilidade de obter bons resultados aumentasse”, como exibe Marcelo Oliveira.
Os primeiros vieram ainda com Ney Franco e tiveram sequência com seu substituto. Neste ano, o título estadual foi conquistado de forma antecipada, com 100% de aproveitamento no segundo turno e quase 94% no geral. Na Copa do Brasil, são seis vitórias em igual número de jogos, o que eleva o total a 26, com apenas dois empates e a tal série de 23 triunfos consecutivos.
Um recorde que enche o time de orgulho. “Nosso objetivo maior era o bicampeonato. Fomos construindo esse caminho e, na medida em que nos aproximamos dos objetivos, essa história do recorde começou a ser mais falada”, lembra o treinador de 56 anos. “Não era a prioridade, mas, óbvio, quando chegamos a 19, depois 20, passamos a focar nisso. Foi algo importante, que marca o nosso trabalho, o do clube e é ótimo para o torcedor.”
O mérito é do grupo
Do mesmo modo que ia batendo seus adversários um a um, o Coritiba também flertava em meados de abril com a possibilidade de superar um dos grandes times da história do futebol brasileiro. Por isso mesmo, as comparações com o Palmeiras de Vanderlei Luxemburgo e de jogadores como Cafu, Júnior, Rivaldo, Muller, Djalminha e Luisão foram inevitáveis, mesmo que a série do time paranaense incluísse adversários de menor porte que a do paulista. Sem se incomodar com estes paralelos, Marcelo Oliveira apenas faz questão de apontar uma importante diferença entre ambos.
“Aquele Palmeiras tinha muito mais estrelas. Nós nos destacamos pelo coletivo. Tanto que fizemos 75 gols, sendo poucos de pênaltis e bola parada, e com muito revezamento”, aponta, indicando ainda o comprometimento dos jogadores como fundamental para o bom desenrolar do trabalho. “Esta é uma das partes positivas da trajetória. Encontramos um grupo maduro e não tivemos problemas até agora. Quando a gente perder, não será por falta de empenho.”
Além do revezamento nos gols, outros fatores que vêm dando certo até agora são a forte marcação e a rápida saída de bola, feitas por meias ou atacantes como Marcos Aurélio, Davi e Rafinha. “É um time moderno, que corre muito e distribui os esforços”, afirma. “Temos dois volantes que marcam e saem jogando e outros mais técnicos que cumprem esta função e encurtam os espaços. É possível jogar assim.”
Duelo de recordistas
Com o término do estadual e o avanço da Copa do Brasil, o Coritiba abre uma espécie de segunda parte da temporada a partir do jogo contra o Palmeiras. Com grandes expectativas, o treinador acerta os últimos detalhes para o confronto pensando até menos na manutenção do ritmo vitorioso. “A partir de agora vamos usar uma estratégia diferente, tendo em vista a classificação no final”, garante. “Será um confronto difícil, mas vamos investir tudo porque, se passarmos, nos fortalecemos muito para buscar o título.”
O curioso toque do destino que colocou frente a frente dois grandes recordistas ainda será importante por outro aspecto para os paranaenses: além de poder eliminar um rival direto no caminho à Libertadores, ele servirá para medir o tamanho dos feitos conseguidos em 2011 e dar uma noção mais clara dos desafios que virão pela frente no retorno à primeira divisão nacional. E Marcelo Oliveira sabe bem disso. “O Palmeiras é um time de qualidade, de tradição, como muitos que ainda enfrentaremos neste ano. Será o melhor parâmetro para saber o que vamos conseguir no Brasileiro”, encerra.